terça-feira, 26 de outubro de 2010

Um lembrete do Mario Quintana …



"A vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas!
Quando se vê, já é sexta-feira….
Quando se vê, já terminou o ano…
Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida.
Quando se vê, já passaram-se 50 anos!
Agora é tarde demais para ser reprovado.
Se me fosse dado, um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio.
Seguiria sempre em frente e iria jogando, pelo caminho, a casca dourada e inútil das horas.
Desta forma, eu digo:
Não deixe de fazer algo que gosta devido à falta de tempo, a única falta que terá,
será desse tempo que infelizmente não voltará mais."

Mário Quintana

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Um olhar sobre os shows de rock que PERDI



Tanto quanto ouvir, conversar e trocar figurinhas sobre música é uma coisa prazerosa quando feito com amigos que conhecem bem o poder de sentir a vibração de uma canção. Conhecem o valor da boa música para a alma e o coração. O sábio Nietzsche já disse certa vez que o mundo seria um erro sem música.

Sou sim um agraciado por ter conseguido ver ao vivo bandas e artistas que com sua música formataram meu coração na adolescência. Sim, aquela fase colegial que você ouve o som mais com o lado emocional do cérebro e menos com o racional, e isso inclui horas ao lado de Pearl Jam, Foo Fighters, Oasis, Silverchair, Guns N' Roses, Alanis Morissette, Roger Waters, Cranberries, Rivets dentre outros nacionais e internacionais que tem o seu som impresso na minha corrente sanguínea ainda que eu os ouça pouco hoje em dia na fase adulta.

Muitos falam fácil dos shows inesquecíveis que foram e presenciaram, sempre na contramão eu pensei um breve ranking dos 4 shows inesquecíveis e fáceis (acessíveis) que eu NÃO fui e que, como beatlemaníaco que sou, certamente será acrescido de Paul Macca caso eu não vá pra Sampa no mês que vem:

Banda: Rush
Disco predileto: Moving Pictures (1981)
Onde/Quando: Maracanã 2002 (DVD Rush in Rio)
Notas: Nem me ligava no som desse trio extraterrestre, mas lembro que no intervalo da minha aula de inglês conversava com um amigo músico no dia seguinte a esse show e ele estava super empolgado falando sobre como era um show deles. Dizia ser outro nível, show com parada no meio pra descansar tamanho o desgaste cerebral. No meio do papo, eu com meus ingênuos dezoito aninhos, solto que não sabia como ele conseguia aturar a música chata e imensa desses caras e recebo de bate-pronto um “Veja bem, você diz isso porque não é músico!”. Fui pra casa e sou muito grato a ele por isso. Vi o tal show clássico que virou o premiado DVD na telinha do Multishow com muita atenção e literalmente pirei. Começando depois a comprar os CD’s e ouvir as músicas de temática filosófica desses velhos. http://www.youtube.com/watch?v=yzM6995klLg
Menos mal: Sossegado e feliz escrevo isso uma semana e alguns dias após esses canadenses terem aportado no RJ e realmente eu ter visto um senhor show. Sabia que não perderia a primeira chance de vê-los fazer o difícil virar fácil a poucos metros de distância no meu canto de sempre na Apoteose.

Banda: New Found Glory
Disco predileto: Hits (2008)
Onde/Quando: Circo Voador 2008
Notas: Que o NFG é uma das bandas mais divertidas de se ouvir, principalmente dirigindo, e possui videoclipes absurdamente bons ("It’s Not Your Fault" meu favorito) já é sabido. O que não se sabia é que em sua primeira passagem pelo país, além de ter sido um show bastante aguardado, foi uma celebração da música e eu não fui só porque passava um momento conturbado. O Circo Voador abriu nesse domingo de novembro pouco após o almoço para início das atividades e subiram no palco Madame Machado, Catch Side, Drive, Strike, meus vizinhos da Let’s Go e os parceiros mineiros da Socket que há alguns meses me aventurei junto num fim de semana louco em Juíz de Fora. O mais esperado veio depois, claro, o final da noite com o último e melhor show da tour pelo país, declarado pelo próprio NFG. Ver o palco tomado por gente que a própria banda deixou subir pra essa celebração denota o bom humor e o clima total de festa, assim como me dá água na boca assistir ao Circo Voador nesse vídeo resumo da mini tour: http://www.youtube.com/watch?v=pS3FJGsXKT0
Menos mal: Os caras tem 13 anos de banda mas são novos e certamente voltarão pra mais uma festa dessa, como deve ser um show do NFG, pura energia e diversão.

Banda: Social Distortion
Disco predileto: Sex, Love and Rock n' Roll (2004)
Onde/Quando: Circo Voador 2010
Notas: Em dezembro passado o falecido Cinematheque de Botafogo recebeu uma boa galera das antigas que cresceu ouvindo as ótimas bandas que faziam a cena dos anos 90 no RJ e foi curtir um super show de reunião dessa galera (http://www.youtube.com/watch?v=eh8E11-ON3c). Cheguei cedo, claro que pra ver o Barneys, precursores do HC melódico no país ainda naquela época, do maior nome de toda essa cena 90’s que é o Fabrício, seja com o Barneys, com o Rivets ou com seu romântico violão solo. Meses depois trocando idéia com esses caras, encontro o Pedro do Carbona saindo do trabalho no centro da cidade que me dá a notícia que a galera Old School vibrou: o consagrado Social Distortion viria em abril no Circo Voador em sua primeira vez na América do Sul. Já sabia que o Social D havia aberto shows da última tour do Pearl Jam, vi vídeos no Youtube do Eddie Vedder muito feliz cantando ao lado do Ness. Dava pra imaginar o que seria esse dia com uma banda de importância internacional semelhante ao Bad Religion para o renascimento punk dos anos 80. Aliando tudo isso ao fato do líder e compositor mega tatuado Mike Ness ser uma das maiores vozes do rock e tido como mito por tudo o que passou na carreira, fonte de inspiração inclusive de canções como “Down” do Pearl Jam, era um show imperdível e clássico antes mesmo de acontecer. Chego no Circo para garantir o ingresso de R$60,00 numa chuvosa segunda antes do show e sou informado que a bilheteria não abre às segundas. Atarefado com trabalho durante a semana, era certo que morreria no dobro disso na mão de cambistas no sábado do show. Pesou junto o fato de que no mesmo sábado as amigas da Agnela fariam o show mais importante desde o Planeta Atlântida, dessa vez junto com o Charlie Brown Jr no Luso de Campo Grande obviamente lotado por elas serem de lá. Em toda balada nossa elas me cobravam e eu prometia presença num show, não pude deixar de ir, beber e curtir com essas garotas.
Menos mal: Vi o showzão do Social D quase todo depois no Youtube e já há boatos de uma volta de Mike Ness ao Brasil. http://www.youtube.com/watch?v=o8eyeIwUmpM

Banda: Silverchair
Disco predileto: Diorama (2002)
Onde/Quando: ATL Hall (atual Citibank Hall) 2003
Notas: Era mais ou menos meio de 2002 e eu corria pra Fnac na semana de lançamento do novo álbum do Silverchair para comprar o meu. Em 2001 a banda tinha parado após o show no Rock in Rio para o continuar ao longo do ano o trabalho em cima desse disco que diziam estar primorosamente composto e arranjado até com orquestra. Cheguei em casa, botei o tal "Diorama" pra ouvir e ao final não entendi nada. Parecia uma nova banda, ainda desconhecida e sem que tivesse algo a se esperar dela. Liguei pro meu amigo de colégio mais fissurado na banda, com quem tinha visto o show no Rock in Rio e informei que já tinha o CD em casa, ele correu lá pra ouvir e também sofreu o mesmo impacto, porém dizia já saber que tratava-se de um disco mais difícil, havia lido entrevistas e segundo ele ouvido "Without You", que já curtia muito. O tempo passou e aquele disco, que no início era meio estranho aos ouvidos, foi crescendo a cada audição e incrivelmente ganhando forma em suas belíssimas melodias. Parecia algo mágico que nunca havia acontecido comigo, um disco se despir aos poucos conforme minha vontade e revelar ser uma obra-prima. Era maio de 2003 e a fissura toma conta, Silverchair voltaria ao Brasil, dessa vez mostrando esse discaço ao vivo no RJ. Aos dezenove aninhos, fiz contato com minha galera da época e na correria do meu primeiro emprego marcava dia pra comprar esse esperado ingresso. Concomitantemente ao show rolaria a primeira edição do festival Coca-Cola Vibezone e as mais de 12 horas de música e atrações diversas que incluíam shows das bandas, pista de dança, pegação, tirolesas etc seduziam essa galera que, na dúvida, postergou a compra dos ingressos até esgotarem ambos os eventos e me fizeram embarcar nessa furada. Perdi o Silverchair em sua melhor fase, tocando seu melhor disco, hoje reconhecidamente um “Classic Album” da Austrália, e com o Daniel brincando de cantar como nunca.
Menos mal: Estava certo de escrever que pra esse ainda não descobri, mas lembrei que existe o lindo DVD duplo gravado num teatro que imortalizou essa tour e essas músicas: "Live From Faraway Stables". http://www.youtube.com/watch?v=b2yqWeIjzz8

;-7

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Eu sei, mas não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.

A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.

A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.

A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.

A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.

A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

Marina Colasanti (1972)
Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.


O texto acima foi extraído do livro "Eu sei, mas não devia", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1996, pág. 09.